segunda-feira, julho 31, 2006

Chá em viagem

Este chá ruma a norte. Vai reencontrar embondeiros e mucates.



Durante pouco menos de quinze dias, será complicado (ainda que, não impossível) escrever por aqui.

Voltará, com certeza, para contar o que viu.

quinta-feira, julho 27, 2006

Oportunidade de negócio*

O restaurante da D. R é uma empresa familiar. A ela, dona do estabelecimento, cabe a função de manter os comensais a par das novidades de trazer por casa. Alheia a qualquer hipótese de avaliar o (des)interesse dos interlocutores pelo conteúdo das conversas, às vezes diz mal do marido. Este tem «negócios» e, quando aparece, em regra, é para beber uma(s) cerveja(s). O Sr. A. serve às mesas e o Sr. C é o cozinheiro (oriundo da Zambézia**). São contratados, mas como trabalham quase de graça não constituem um encargo. É como se fossem os filhos a fazer o serviço, mas substituíveis e sem margem de reivindicação. As únicas pessoas que trabalham são os Senhores A e C (não é que servir cinco desgraçados sem melhor alternativa para o almoço seja grande canseira). Como não têm poder de decisão, o prato do dia está estabelecido há mais de um ano: frango grelhado. Aos Srs. A e C cabe, ainda, receber as reclamações dos clientes que já não têm estômago para tão pouca criatividade no prato (quatro dos cinco, dado que um deles está satisfeito com o menú). O Sr. A conhece o que cada um gosta de beber e o almoço só é agitado se alguém decide mudar de vontade. Aturando mais ou menos reclamações, ele e o Sr. C levam a coisa para a frente.

Há alguns dias, a empresa desmoronou, o casal zangou-se e a D. R partiu a loiça (no sentido literal). Recebemos uma mensagem oficial***: «estamos fechados para remodelações». No relacionamento, espero, ou não haverá património que aguente.

Face a isto, deixo uma proposta (ou, se quiserem, um apelo) (este blogue tem que ter alguma utilidade):

Se alguém estiver interessado em abrir um tasco por estas bandas, tem garantidos cinco clientes. Para começar não é mau. Além disso, terá a cetreza de trazer uma melhoria substancial aos meus dias (e, como sabem, a minha felicidade é importante) e, ainda, de garantir a continuidade de emprego aos Srs. A e C.

Os candidatos podem contactar-me para qualquer esclarecimento através das caixas de comentários ou do e-mail que aparece algures lá em cima.

Muito obrigada


* Ou S.O.S. estômago.
**Para quem não sabe, a Zambézia é uma província de Moçambique com fama (que considero merecida) de ter a melhor comida regional.
***A Não oficial foi trazida pelo Sr. C.

terça-feira, julho 25, 2006

Imagem




Uma vez, em conversa com um fotógrafo premiado que lhe mostrava um trabalho feito em Moçambique, uma amiga deixou escapar que, neste país, para se ser bom fotógrafo, basta ter máquina fotográfica. Eu acrescento, nem precisa de ser muito boa. O país é fotogénico, é inquestionável. Sei que há bons fotógrafos moçambicanos. Longe de mim pretender criticar-lhes tecnicamente o trabalho, mas, confesso, ir a exposições de fotografia por estas bandas começa a ser redundante. São crianças de olhos postos na câmara, mulheres com msiro na cara, capulanas coloridas, praias de sonho, mais e mais e mais (do mesmo). Os estrangeiros acabados de chegar deliciam-se, claro.

Sobre isto, há duas questões que gostava de abordar: uma prende-se com o que fica de fora, a outra com o direito das pessoas à imagem.

1. Há uns tempos, o Mia Couto escreveu um artigo, que não posso citar dado o jornal ter seguido o caminho de jornal velho, onde lembrava que Moçambique não é apenas o rural, mas também o urbano, por mais que os turistas não queiram. Contrariava a imagem do «verdadeiro Moçambique» («ohh, tão étnico!», maravilham-se uns, caricaturam outros). Não é assim tão raro, quando estou em Portugal, as pessoas surpreenderem-se com informações que vou deixando escapar sobre a vida urbana de Maputo (sim, ela existe!). Não é ignorância totalmente injustificada, as imagens que passam são francamente parciais.

2. Gosto desta fotografia. Tenho outros olhares expressivos, mulheres e crianças bonitas guardadas na memória do meu computador. É a segunda vez que os exponho num blog e, sempre que o faço, não deixo de ter dúvidas. Por todo o lado, em qualquer exposição, encontramos fotografias lindas que usam imagens de pessoas. Algumas dessas fotos são vendidas, talvez até premiadas. E as modelos? Verão os seus direitos assegurados? Darão autorização de divulgação da imagem? A minha não deu. Espero encontrá-la na próxima semana e levar-lhe esta fotografia. Talvez deva dizer-lhe a verdade.

sexta-feira, julho 21, 2006

Her hips don't lie*


Este post podia ser o chá de magia III. Não que esteja preocupada com a consequente descredibilização do blogue (seria necessário ter a pretensão de que alguém lhe atribui algum crédito), mas sei que alguns amigos jamais me perdoariam. Com razão. Enfiar a Shakira no mesmo chá que o Jeff Buckley seria um acto, se não criminoso, pelo menos de grande irresponsabilidade.

Reconhecer isto é diferente de confundir a Shakira com qualquer «jovem loira MTV». O meu conhecimento sobre o assunto começa e termina com o videoclip de onde foram retiradas estas imagens. Não preciso de mais. «My hips don't lie», diz ela. Nós acreditamos. Quem passou os olhos pelo vídeo não pode duvidar que Shakira diz a verdade. Se alguém concebe mentira no movimento daquelas ancas só pode ter muita inveja, mesmo muita, porque eu tenho alguma e ainda assim reconheço que quase toda a verdade da vida está ali representada.



* Este post é dedicado à única pessoa que entende o verdadeiro significado de cavalo alado.

quinta-feira, julho 20, 2006

Chá de magia II

(da série: magias e feitiços por quem realmente sabe)

It's never over, my kingdom for a kiss upon her shoulder
It's never over, all my riches for her smiles when i slept so soft against her
It's never over, all my blood for the sweetness of her laughter
It's never over, she's the tear that hangs inside my soul forever


Jeff Buckley; Lover, you should've come over

Outros preconceitos

(da série: o chá é meu, quem manda sou eu, não será o último post assim, não digam que não avisei)

Comunicou-lhes que estava apaixonada e, entre cumplicidades, perceberam que estava feliz. Não o conheciam, mas fizeram poucas perguntas. Não interessava a cor, o apelido, o carro que usava, a roupa que vestia. Pouco importava se era homem ou mulher.
Não tardou a que se proporcionasse um encontro. Estava marcado para um fim de tarde. Não querendo fazer-se esperar, ele seguiu do trabalho para o local combinado. Quando o viram, não evitaram um nó no estômago, que, desconfortavelmente, se estampou em cada rosto, deixando um ambiente sinistro. Vestia calças pretas e camisa branca. Era agente funerário e conduzia o carro do serviço. Perceberam que não eram imunes a preconceitos. Não sabiam o que fazer e restava-lhes encontrar um culpado. Atiraram em Morris. Todas tinham lido Lucky Luke e sabiam que a imagem dos cangalheiros ficara arruinada para sempre.

segunda-feira, julho 17, 2006

Sóis que tornam o mundo melhor

Em tempos que já lá vão, um homem de antigamente chamava a atenção para «Sol Negro», de Virgínia Rodrigues e linkava uma recensão de T. C. Clamote, publicada na «PHONO» (uma webzine escrita «por pessoas que gostam de música», muito recomendável «para pessoas que gostam de música»). Na altura, nunca ouvira Virgínia Rodrigues, nem tão pouco me era familiar o nome. O texto valia por si só:

O facto de raça ser um conceito nascido de uma selecção arbitrária de traços humanos para justificar assimetrias que historicamente serviram propósitos de dominação que aí também se ancoraram para se legitimar, é um dado histórico fundamental, mas não suficiente para desvanecer a persistência dos efeitos que a organização da vida social e da percepção em redor do conceito suscitam. Isto porque um conceito social não precisa de formas de validação científicas para operar: basta-lhe que haja gente a atribuir-lhe crença de validade, e pode perdurar para sempre, por muito que se clame que essa validade é nula. Daí que as estratégias de gente e grupos para contestar esses efeitos possam ser várias, contraditórias ou até conflituantes. Uma delas é assumir que as diferenças que esses conceitos erguem estão enraizadas em terra de séculos, separaram mundos sociais, e para ultrapassar as dominações que sustentam tais divisórias há que trabalhar com essa diferença demasiado sedimentada para poder ser ignorada e partir do zero. Que é como quem diria: se nos fizeram outros, pois sejamo-lo com orgulho. Se é a melhor estratégia, é matéria de discussão, que aqui não cabe. Mas qualquer estratégia pode ser mais valiosa se sempre for aliada a algum bom senso, que sempre faltou aos mais elaborados, rígidos, e geralmente lamentáveis, programas de transformação social.

Sobre o álbum, Clamote acrescentava, ainda no mesmo parágrafo:


E quando tal estratégia se corporiza, por exemplo, na beleza plácida mas decidida de um objecto artístico destes, algum crédito já arrebatou.


Os restantes parágrafos continuavam a prometer uma obra que era necessário ouvir. Tentei, em vão, comprar o álbum. Há pouco tempo, um amigo ofereceu-mo. A curiosidade e a expectativa eram grandes. A primeira entrada, à capela, não mexeu logo comigo. De início, confesso, estranhei. Não desisti, claro, e não demorou a que me deixasse envolver e, pouco depois, a sentir aquela cumplicidade que há com a música de que gostamos muito.

Quanto ao melhor, diz T. C. Clamote:
Mas genial, genial, são duas faixas. Se o resto prima pelo mesmo bom gosto e estratégia, a «Noite de Temporal» e o «Negrume da Noite» são os sóis negros por excelência deste disco.

Tudo está lá dito e muito bem dito. Gostava de discordar e teria a pretensão de acrescentar alguma coisa, mas não posso. São duas faixas belíssimas, que impressionam. Arrisco apenas numa hierarquização, «Noite Temporal é linda, mas o «Negrume da Noite» faz-me chorar, rir e dançar. E posso ouvi-la vezes sem conta, porque não tenho medo de a esgotar.

Fica aqui o que lá não cabia, mas que vale a pena, mesmo sem o som que acompanha o poema:

O negrume da noite
Reluziu o dia
O perfil azeviche
Que a negritude criou

Constitui um universo de beleza
Explorado pela raça negra
Por isso o negro lutou
O negro lutou
E acabou invejado
E se consagrou

[...]

Agradeço ao homem de antigamente, ao T. C. Clamote e ao amigo que me ofereceu o álbum.

domingo, julho 16, 2006

Músicas do mundo

De fora, chega-me o som de um concerto que algures anima um fim de tarde. É cedo, mas a madrugada podia ter chegado e este som, ou qualquer música vinda de uma farra na vizinhança, invadir-me o apartamento. Em alguns lugares, tal não seria provável. O respeito pelo outro impõe certos limites. Ultrapassá-los, ouvindo música alta ou conversando com amigos fora de horas, conduz facilmente a uma desagradável visita da polícia. Por aqui, o mesmo respeito parece passar por um consenso tácito, que envolve complacência com os excessos, hoje de uns, amanhã de outros. Pessoalmente, prefiro este género. Sempre vivi em apartamentos. A ideia de poder fazer jantaradas que acabam de madrugada sem ter a polícia à porta é um não desprezível upgrade na minha qualidade de vida.

quinta-feira, julho 13, 2006

Emancipações





Uma questão frequentemente levantada a/e por cientistas sociais que estudam situações de pluralismo jurídico em África prende-se com os direitos das mulheres. Se as autoridades tradicionais, bem como outras instâncias comunitárias de resolução de conflitos, tendem a estreitar a distância entre cidadãos e acesso à justiça, por outro não garantem o cumprimento dos direitos humanos (definidos como tal), nomeadamente os das mulheres, pois assentam na continuada reprodução da posição subalterna que a sociedade tradicional atribuiu à mulher. Longe de ter uma resposta linear a esta questão, surgem-me outras reflexões. Para muitas feministas, a poligamia é uma das graves situações de discriminação feminina de que é cúmplice a justiça tradicional. Tenho dúvidas de que o alvo - a poligamia e a justiça tradicional - seja o mais acertado, uma vez que o problema remonta às desigualdades que começam bem antes da puberdade, no acesso à educação e, por consequência, aos recursos, que permitiriam à mulher optar por aceitar, ou não, um homem polígamo ou qualquer homem. Encontro no discurso de que as mulheres africanas não são respeitadas vestígios de um sentimento de superioridade, a que nenhum país pode dar-se ao luxo. Desde logo, não entendendo os sujeitos como passivos numa relação de poder, imagino, sim, que as mulheres desenvolverão as suas estratégias, de forma a criarem espaços de poder. Não são passivas. Olho agora para as mulheres ocidentalizadas. Mais emancipadas? Há uns meses, ao entrar na cidade onde nasci, em Portugal, sou invadida por uma outdoor que exibia, em biquini, o corpo perfeito de uma mulher bronzeada, com a seguinte mensagem: «os homens não gostam de celulite». Não era suficiente invadirem-nos as casas com fotografias de mulheres passadas a ferro no fotoshop? Não chegava para enriquecer as clínicas. Devemos sujeitar-nos a qualquer coisa e, agora, não porque queremos ser iguais às topmodels, já não nos convence!, mas porque os homens querem. Estamos a evoluir. Fácil. É recorrer às clínicas de estética, puxão aqui, corte acolá, sopro do outro lado. Fora isso, só temos que esforçar-nos por carreiras brilhantes, para não sermos falhadas; por conhecer na intimidade a nouvelle couisine, porque já não chegam os pratos vulgares lá de casa; por pagar um ginásio, que cobra horrores; por ter uma vida sexual sempre activa e magnífica, ou não seremos emancipadas; por fazer as melhores opções e lutar por elas, porque tudo está nosso alcance; por comprar a roupa mais adequada e ter estilo, porque uma mulher sucedida veste-se bem; por ler todos os livros; por ver todos os filmes. O meu argumento não defende, claro, que a emancipação feminina está errada, pelo contrário, crê que há muito para emancipar e, nesse sentido, há que olhar sem superioridade (ou piedade!) outras mulheres, que terão tanto a ensinar-nos, como a aprender connosco.

terça-feira, julho 11, 2006

Chá de magia I


Tinham-lhe dito que a capulana era peça essencial de qualquer mala de viagem. Que, se a logística deixasse a desejar, podia ser transformada em quase tudo. Lençol, toalha de mesa ou de praia, saia, vestido, cobertor e muito mais. Um dia, quis testar-lhe os limites. Estendeu-a no chão, sentou-se de pernas cruzadas sobre as cores fortes que lhe denunciavam a origem e abriu os braços como se procurasse equilíbrio. Segundos depois, a capulana transformou-se em tapete voador (sem ser tapete!). De início, não estranhou. Habituada a sonhos extravagantes, percebeu que era mais um e decidiu aproveitá-lo até ao último instante. Depois, deixou-se levar pela realidade e soube que já não podia viver sem ela. Descobriu a magia de viajar para qualquer lado, ver amigos e família, explorar lugares e descobrir pessoas com a certeza de poder voltar a casa sempre que quisesse. Mas uma dúvida não foi capaz de apagar. Entre tantas idas e vindas, nunca conseguiu saber em qual das viagens estava de regresso a casa.

Foto de Capulanas e lenços (2004); Maputo: Missanga

domingo, julho 09, 2006

Noites de insónia

Nunca quis ter «o meu blog». Sempre soube que não teria disciplina ou vontade para manter um blog com intervalos de actualização aceitáveis. Li por aí que quem lê blogs, mais cedo ou mais tarde, acaba por ter um. No meu caso, bem mais tarde. Não sei o que mudou, tenho menos tempo agora do que noutros momentos, continuo a não estar certa de que amanhã virá novo post. Mas a vantagem de um blog individual reside aí: pode nascer de uma noite de insónias e desaparecer no dia seguinte. O Chá do Gurué, um blog sem compromissos.