quarta-feira, agosto 30, 2006

Destinos falhados

(ou posts menos certos)

- Aqui é a migração.
- Estamos atrás da 500ª ou 501ª pessoa?
- Deixa lá, nada que duas horas e meia não resolvam.

- Que tal o quarto?
- Se tivesse janelas, água quente e fosse limpo...

- Desculpe, onde há um telefone?
- O hotel não tem.
- E posso ligar de...
- Lado nenhum, é fim de semana.

- Mas afinal, nas rotundas, quem é que tem prioridade?
- Quem é que tem o quê?

- Isso fica a 15 km?
- Com o trânsito, faz-se em 2 horas, 2 horas e meia.

- Será que falta muito para o despertador tocar e o pesadelo ter fim?
- Uma semana...
- Tens a certeza que apanhámos o avião certo? Parece-me ter ouvido que, à mesma hora, saía um para a twilight zone...

Valorizar conselhos demasiado tarde...

- Vês aquela placa?
- Hum?
- Aquela ali!
- Nice! Queres parar e tirar uma fotografia?
- Hum... Não, quero chegar depressa.
- Sempre dava um post em que não tinhas que pensar.
- Nã!

[Estas viagens deram-me uma blogopreguiça!]

sexta-feira, agosto 18, 2006

Chá no tapete voador

Este chá volta a fazer malas. Vai ao encontro da África do lado de lá. Estará de volta muito em breve.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Nem todas as casas têm paredes

LOCAL: RUA

Vendedor de relógios - Amiga, tem novidade!
Eu - Pois, mas o que eu queria era cigarros!
[Cinco segundos depois]
Vendedor de cigarros [depois de ter atravessado a estrada a correr] - Que marca quer?
Eu [com uma nota de 50 na mão]- Palmar. Custa 20 ou 25?
Vendedor de cigarros - 30!
Eu - Huuum!?
Vendedor de ciagarros - Está bem, como é da casa, leve dois!
[Eu, para mim, sem questionar a estranha oscilação do preço - Este senhor devia era trabalhar nos serviços de migração!]

segunda-feira, agosto 14, 2006

Depois das quatro quadras, as notas soltas

Angoche pertence ao distrito de Nampula. Em tempos, foi uma cidade importante. Hoje, com o porto parado e as fábricas encerradas, o desemprego afecta a maioria da população e a cidade parece esquecida pelo governo central. Tem uma história riquíssima e a política local mostra dinâmicas muito próprias. É uma cidade linda, onde as pessoas têm tempo para nós. E cada vez me é mais difícil estudá-la.

1. Pela segunda vez, vejo-me em Angoche a fazer trabalho de campo. Eu própria estou cansada do meu discurso gasto de quem não vai ali para resolver problemas. Vai para quê? Começo a questionar-me. Sempre a expectativa de promover melhorias numa estratégia de longo prazo. A ideia é conhecer e dar a conhecer (alguma) realidade. A quem se interessa e a quem lê, claro, e isso é sempre pedir demais a quem tem tantas responsabilidades.

2. Analisamos estratégias de resistência. Para além dos espaços delineados para análise, há aqueles em que vivemos e em que diariamente essas estratégias nos tocam. Somos de fora, saímos de Maputo, chegámos de carro, claramente temos mais e podemos significar uma oportunidade, seja para melhorar o ano, o mês ou, simplesmente, o dia. Os pedidos vão desde o caril para o jantar, à bicicleta, à boleia, ao caderno para a escola, à caneta, ao emprego em Maputo, ao computador portátil. Vão desde a manhã, até à noite. As histórias contadas são muitas, umas mais verdadeiras do que outras.

3. Ibrahimo é um jovem que conheci em 2003. Viajou de longe, porque soube que estávamos ali. Não há dia em que eu chegue a casa, cansada, a ansiar por sossego, que não esteja à minha espera, com uma história e um pedido. Porque os professores só passam quem dá dinheiro, porque está a sofrer, porque não consegue. Um dia, esperava-me há horas, vem a velha história, quer o meu número de telefone. Antecipo os bips infinitos que vou receber. Estou cansada, não acredito no que me conta, irrito-me com o abuso de confiança e o papel de vítima. Dou-lhe o número de telefone e não mais que os indispensáveis minutos para o efeito. Vou descansar! Parece triste e eu penso na paz de casa que acabo de conquistar.
À noite, antes de dormir, escolho, ao acaso, no computador, uma música. Era o Seu Jorge e dizia assim:

Se eu pudesse, eu dava um toque em meu destino
Não seria um peregrino nesse imenso mundo cão
Nem o bom menino que vendeu limão
E trabalhou na feira pra comprar seu pão
Não aprendia as maldades que essa vida tem
Mataria a minha fome sem ter que roubar ninguém
Juro que eu não conhecia a famosa funabem
Onde foi minha morada desde os tempos de neném
É ruim acordar de madrugada pra vender bala no trem
Se eu pudesse eu tocava em meu destino
Hoje eu seria alguém
Seria eu um intelectual
Mas como não tive chance de ter estudado em colégio legal
Muitos me chamam de pivete
Mas poucos me deram um apoio moral
Se eu pudesse eu não seria um problema social

Eu sei que o Seu Jorge não explica tudo e até está noutra realidade, mas também não mente...

A propósito...

«[...]

Fui com a quadra popular
à procura da restante
quando o polícia de longe
disse: venha aqui um instante

Temos aqui uma outra
não sei se você conhece
desrespeita autoridades
e diz o que lhe apetece

Tem uma rima forçada
e palavras estrangeiras
e semeia a confusão
entre as outras prisioneiras

Se for sua, leve-a já
que é pior que erva daninha
olhe bem para ela: É sua?
olhei bem para ela: É minha!

(Ó i ó ai) Nós queremos é justiça
(Ó i ó ai) E dinheiro para o bife
(Ó i ó ai) E não esta cóboiada
Em que tudo é tudo do xerife
»


Quatro Quadras Soltas, Sérgio Godinho