quarta-feira, dezembro 20, 2006

Quadra

Vinte de Dezembro e nem uma estrelinha dourada por aqui. Este blogue está debaixo de 35 graus e perto de 100% de humidade. Tem dificuldade em encontrar o espirito convencional das terras de onde veio. Não se lamenta. Não se junta aos que repudiam a quadra, ainda que seja adepto de um Natal sem grande stress e especialmente de consumismo moderado. Fosse isso possível! Jantares de amigos e família são sempre bem vindos. Este ano haverá caipirinhas geladas à consoada, mas árvore de Natal é pouco provável. Não faz sombra. Por aqui, nem uma luzinha a piscar. Como quem o escreve, o chá compromete-se a, quando houver crianças, animar o pedaço com bolinhas douradas e vermelhas, estrelas multicor, Pai Natal, troncos cheios de creme e lascas de chocolate, prendas (permitindo uma ou outra de gosto duvidoso, como tantas vezes os seres pequeninos preferem) e todas as fantasias que os miúdos têm direito de viver. Até lá, eu e o meu blogue gozaremos as caipirinhas. Se algum leitor puder provar ter idade inferior a 10 anos, enfeitaremos o pedaço e desenrascaremos um presente. A todos os outros bebericadores do Chá do Gurué, desde já um bom Natal em qualquer uma das suas variantes.

sábado, dezembro 16, 2006

Protocolo e sofrimento I

Uma palavra de admiração para todos aqueles que, em situações discursivas formais, semi-formais e às vezes até quase nada formais, têm competência para se dirigirem, individual e devidamente, às «estruturas» presentes. Para aqueles, que, sem engasgos ou enganos, criteriosamente atribuem os «ante-títulos» a cada um dos importantes, não confundindo o digno com o digníssimo ou o venerando com a Sua Excelência. Nesses momentos, raramente perfeitos, sofro em silêncio. Perto de suster a respiração, temo um bloqueio do orador, o esquecimento de um Ministro ou de um Juiz Conselheiro. Há falhas que não têm perdão. E, sinceramente, há tarefas muito mais fáceis. Dada a palavra de admiração, outra de espanto para todos aqueles que consideram essas sofridas introduções fundamentais ou mesmo relevantes. O tempo é sempre limitado. Parece-me, pois, pouco racional, que metade do tempo atribuído ao discurso seja usado a cumprimentar as pessoas da primeira fila. Há protocolos que deviam ser atalhados. Este é cansativo e, quando os oradores são vários, quase patético. Mas isto, claro, sou eu que penso. Eu, que caibo sempre nos «a todos [se tiver sorte «e a todas»] os restantes presentes...».

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Hoje é dia de festa...

na terra do poeta Messias...



Por isso acordei cedo e trepei o coqueiro. Estiveram a refrescar, estão prontos.

Como o escritor-cantor, eu não estou na festa, pá!, mas fico contente... Enquanto estou ausente, faço um brinde por aqui.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Quinta-feira. Melhor.


Gurué Ice, com muito gelo e uma raspa de limão. O tempo está doce. Açucar à parte, só para quem quiser.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Resmungos de quarta feira

Tenho vontade do Verão que está lá fora. Frente ao computador, chega-me um cheiro a maresia, daquela que (perdoem-me os que não podem entender-me e me olham de lado face a esta observação) não existe em Moçambique. Tenho vontade da maresia lá de fora, da que não existe, de esplanadas ao pôr do sol, mergulhos em mar quente, sol que obriga a factor 60 e a sestas ao fresco, vinho branco gelado ao jantar, sushi e cestos de camarão panado. Não quero voltar ao INE, procurar estatísticas, pedir favores a uma funcionária que não gosta de mim, nem de qualquer pessoa que lhe peça os documentos que ela vagarosamente guarda, procura e, só às vezes, acha. Odeio a fotocopiadora que, avariada, me obriga a pegar em todos os cadernos estatísticos e, a troco do passaporte (o meu mais precioso bem), seguir rua acima em busca de uma máquina funcional. Não quero passar duas horas na fila do banco, onde um ar condicionado no máximo faz gelar o Verão, não aguento o frio!, entre resmungos meus e dos outros clientes, ouvir que a assinatura do cheque «não confere», ver chamar o gestor de conta e esperar mais meia hora. Como ontem, talvez o banco fique para amanhã. Frente ao computador, é urgente concentrar-me, não pensar nas coisas boas que podia estar a fazer ou nas chatas que tenho para fazer, mas no que é realmente importante ficar feito [suspiros].

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Actualização (possível) do chá

Está um sol lindo, um calor que lembra bons momentos. Lá fora.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Divagações entre calor e trovoada

Fazer trabalho de campo na área das ciências sociais tem sempre muito mais que se lhe diga do que as aulas de metodologia da pesquisa deixam antever. A verdade é que ao investigador - isso aprende-se nas aulas - não são permitidas grandes exigências, isto é, o entrevistado é alguém que merece todo o respeito, que dá e dá porque quer, perde tempo connosco, atura as nossas perguntas, às vezes agradáveis, tantas vezes nem por isso. A ele devemos os resultados da investigação (e salário e graus académicos). Cabe ao investigador prender a atenção do entrevistado, assim como lhe caberia uma série de coisas, que tantas vezes fogem ao seu controlo. Por exemplo, a situação ideal de entrevista é aquela que não está sujeita a interrupções de terceiros ou de qualquer ordem. Alguns investigadores consideram a casa do entrevistado o lugar perfeito; outros defendem que o entrevistador deve procurar o espaço onde o entrevistado se sente bem e passa grande parte do tempo. Neste caso, deve deslocar-se nem que seja para o meio do mato. Esta segunda é, no meu entender, bastante mais razoável. Por vezes, está longe do controlo do investigador ficar a sós com o entrevistado. Desconfiança, insegurança ou curiosidade de familiares, vizinhos, colegas ou amigos conduzem a situações de entrevista com companhia (mais ou menos numerosa). Não compete ao investigador expulsá-la e nem sempre é desejável convencê-la a sair. É preciso avaliar sensibilidades. Quem faz trabalho de campo sabe que é fácil ver-se envolvido em situações caricatas, às vezes complicadas, mais frequentemente, cómicas ou embaraçosas. Quem faz trabalho de campo em equipa percebe que pequenos episódios facilmente se transformam, entre colegas, em anedotas de trabalho de campo, recontadas durante anos a fio. Não há muito tempo, andava eu num bairro do norte de Moçambique, dei comigo na boleia de uma bicicleta, gentilmente oferecida por um dos meus entrevistados. Ele pedalava, eu ia sentada na parte de trás. Ainda que eu quisesse (e confesso que queria), não havia como ter recusado sem ser pateticamente indelicada. E lá fui eu, relembrando os tempos em que brincava com os meus primos mais velhos antes de aprender a equilibrar-me nos pedais, sem saber muito bem onde devia colocar os pés, e com a vizinhança a indagar se o dono da bicicleta teria arranjado uma namorada estrangeira. Nenhum dos meus colegas me viu, ou isso seria anedota até ao ano 2049. Tenho muita pena. Sabe-se bem que isto dos investigadores também se mede ao episódio. Há quem ache que é à publicação, mas esses são os ingénuos. Hoje, sem saber como, vi-me dentro de um carro de polícia, com pessoas a tratarem-se por «chefes» e «sargentos». Não estava prevista a boleia, nem estava no meu programa tanto calor. Um sargento, sentado ao meu lado, perguntou se abria o vidro ou se havia ar condicionado. Explicaram-lhe que não havia dinheiro para o combustível, que abrisse o vidro. Em resposta à indisciplinada baforada de ar quente que invadiu o nosso ar, o meu companheiro de assento desabafa: «Hiii [um hi, que só quem alguma vez esteve cá sabe identificar], estas janelas, afinal!, entra um vento que parece sair do forno do pão». E foi a frase mais acertada do dia, porque ninguém pode acertar mais em cheio quando está a trabalhar e os termómetros rondam o número 40. E é por isso que eu gosto de fazer trabalho de campo, porque há sempre coisas que valem a pena. Ah, a entrevista foi uma grande confusão, com gente a entrar e a sair, mas consegui informação razoável e, ainda, dar conta do relacionamento entre as pessoas. Claro, podia sempre ser melhor. Anoiteceu e está a chover. A trovoada acalmou. Acho que o pão já coseu e o forno está só a meio gás.


Nota: Pensei em escolher uma fotografia para juntar a este post, mas não conseguia escolher uma que ilustrasse o que está por trás das divagações: em trabalho de campo, as situações são sempre diferentes.

domingo, dezembro 03, 2006

Acreditar em nós

O referendo foi marcado, não há como fugir ao assunto. De tão repetidos os argumentos, o tema tende a desgastar-nos e confesso faltar-me já a paciência para os que vêem a mulher que interrompeu a gravidez como criminosa ou, no mínimo, alguém incapaz de tomar decisões. Mas, a verdade é que o debate está longe de ultrapassado e não podemos ser vencidas/os pelo cansaço. O referendo está à porta e o «sim» tem que ganhar. Votar «sim», é dizer sim a quê? Não, não é a que a mulher aborte sempre e quando quiser. É a que a mulher possa interromper a gravidez até às dez semanas, por sua decisão, e que possa fazê-lo num lugar decente. Como se lembrava ali, a questão do aborto está longe de ser um problema das classes baixas, como tantas vezes se ouve, das mulheres pobres que não têm como sustentar (mais) um filho. Todos sabemos, aborta-se em todas as classes (e, já agora, em todos os lados deste debate). O que está aqui em causa, ao dizermos sim, é que as mulheres com menos recursos possam interromper a gravidez nas mesmas condições de saúde que as outras. Que se morra menos. Sim, trata-se de uma questão de saúde e de igualdade de direitos. E de que nenhuma mulher, rica ou pobre, tenha que responder em tribunal por ter interrompido uma gravidez. Trata-se, ainda, de não subestimar, mas acreditar e valorizar a mulher (e o homem com quem esta partilha a decisão). De dar prioridade na decisão a quem esta mais diz respeito. O Estado decidiu que, até às 10 semanas, é permitido interromper a gravidez em caso de malformação do feto ou de violação. Quem pode saber se essas situações são as mais dolorosas para a mulher grávida? Porquê esses critérios e não outros? Alguém pode garantir não existirem situações piores? Somos todos/as iguais para sofrermos do mesmo modo em condições idênticas? Não, respondo eu. Uma mulher pode, por exemplo, aceitar levar para a frente uma gravidez em que foi detectada uma malformação do feto e não desejar ter um filho saudável, fruto de uma relação consentida, mas que lhe arruinou o amor próprio, a confiança em si, os amigos, quem sabe se não tão má (como é que alguém, que não ela, pode avaliar?) como uma violação. Outra mulher pode não querer ter um filho por lhe faltarem as condições (de qualquer ordem) que julga necessárias para se ser boa mãe. As histórias poderão ser muitas, tantas quantas as pessoas diferentes e as suas consciências. Quem pode avaliar a intensidade da dor dos outros? Não se pede a alguém que defenda o aborto, mas simplesmente que acredite que as mulheres são capazes de decidir e que não devem ir presas ou morrer por interromperem uma gravidez. E, de uma vez, que fique claro: mesmo que votem «sim», as mulheres poderão sempre decidir «não».