quarta-feira, novembro 15, 2006

O Poeta Messias

O Poeta Messias é um personagem da cidade onde cresci. Todos os que, há uns anos, ainda que com pouca frequência, se sentavam em esplanadas das redondezas, sabem de quem estou a falar. O PM era um jovem (atenção: não confundir com outro PM, também poeta e jovem e, no melhor estilo, a puxar para o personagem). Andava sempre sozinho e gostava de abeirar-se das mesas de café e premiar os eleitos com poemas da sua autoria. Só ele apreciava tais leituras. Não tenho memória dos poemas, mas lembro-me da fixação que ele desenvolveu pela minha irmã e, de arrastão, já que somos quase iguais, por mim, quando ela não estava (espero que a minha irmã não se importe que eu conte esta história). Apesar da seca que invariavelmente nos dava, nutríamos por ele uma certa simpatia. Talvez por levar a sério a sua missão e nunca perder a pose, mesmo quando o perturbavam. Chegámos a defendê-lo das maldades de que era vítima por parte da miudagem parva. A partir de certa altura, o PM aproximava-se da minha irmã (ou de mim, se ela não estava) e perguntava-lhe se queria ser sua amiga. Ninguém com coração queria responder que não, mas, se a resposta era 'sim', toca de pedir um beijo. E insistia no pedido. Era um problema para o calar e para o tirar dali. Se não era amiga, maior o drama. A história repetia-se e, apesar de pacífico, o poeta tornou-se francamente irritante. A simpatia foi-se gastando e, cada vez que ele aparecia, tentávamos escapulir-nos. Um dia a minha mãe estava connosco e deu uma corrida ao poeta. Já tínhamos saído da adolescência e sabíamos defender-nos, mas isso não a impediu de lhe dar um raspanete e tanto. Que não voltasse a aborrecer-nos! Foi uma grande atitude de mãe. O PM deixou de se aproximar de nós. Já passaram uns bons anos. Hoje liguei o rádio do carro e, de forma automática, saiu-me a expressão «música, música!», num tom que não posso reproduzir por escrito, mas que imitava uma expressão do poeta. Isto tudo é meio patético, mas, de repente, pensei no que será feito dele.

4 comentários:

Anónimo disse...

Música, música...! Lindo. Bj

Anónimo disse...

Imagino: "Xô,Xô!... Põe-te a andar, Xô!..." Tudo isto com a "cantante" voz da cidade onde cresceste e tiveste as tuas "menarcas". "Porta fora, de mão dada com o mundo...". Vai!
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O dos morcegos

Pé de Tulipe disse...

Cara Pk?, à distância de todos estes anos também me parece lindo...

Querido «o dos morcegos», acho que imaginas bem... Não sei se terá sido bem «xô, xô!», porque afinal tratava-se do poeta! Mas talvez o «põe-te a andar» e, sem dúvida, com a "cantante" voz que me perseguiu até moçambique e se vai misturando com outras influências...

Anónimo disse...

só li este post agora, tinha-me perdido do teu chá. eu sei quem é o poeta messias!!! eu tb tive a honra de estar em alguns dos seus concertos. q engraçado ouvir falar nisso depois de tantos anos...obrigada pelas lembraças ; )